A Ordem (Conto de Horror)



As luzes da cidade refletem algo cintilante quase nulo e incógnito. Um ser cambaleante, tétrico e desengonçado vaga pelos becos sujos e vielas decrépitas onde seres da noite se amotinam. Ali não há passado, presente e futuro apenas uma vaga lembrança do que antes os fizeram ser chamados de seres humanos. Este ser é Antônio Carlos, ele carrega algo muito mais pesado do que suas finas convicções morais conseguem sustentar, mantendo-se de pé apenas por uma força que desconhece, tal força motriz o empapuça como óleo em engrenagens de máquinas distorcidas feitas para torturar, um terrível segredo dissolve suas entranhas.

Antônio Carlos foi consumido por uma linha de pensamento que antes já fora chamado por ele de ideologia e que o fez cometer coisas horrendas em nome de algo maior, a cobiça o cegou e desatou todos os nós que antes o tornavam num incrédulo, uma mente completamente fechada impossível de se expandir e até mesmo de se chamar de mente.

Mas Antônio Carlos possui uma alternativa que ele pensa poderá curar esta maldita agonia, já que ele não é um suicida e seu ego foi uma das coisas que o deixou levar para os governantes desta ordem social. Ele quer falar. Quer ser um herói. Um homem que salvou seu país da opressão avassaladora e da tirania dos déspotas. Quer a redenção e morrer em paz.

Antônio Carlos se deita no lixo ao lado de outros excluídos se misturando nos rostos sem nomes, mais uma vez a imagem de seus pecados traz uma agonia execrável que é amenizada por um gole do velho álcool dado pelo o companheiro mais próximo, ele tem que falar com João Felipe, o único que poderá salvá-lo. Mas onde ele se encontra? O que anda fazendo? Será ele o mesmo ativista de outrora?

Antônio Carlos se desespera ao ver passar na rua num belo e luxuoso automóvel Leonardo Silva um antigo companheiro que fazia parte da ordem que o levou ao desespero, ele fita Antônio Carlos mas não o reconhece. Sorri ao ver com seus olhos demoníacos os mendigos espalhados pela rua. Antônio é tomado apenas por uma névoa que se transforma em vermelho sangue como se ele houvesse ingerido chumbo, ele lembra de Maria, uma jovem criança. Antônio e Leonardo eram os melhores e mais cruéis soldados da Ordem.

Maria Eduarda, jovem, pura e rebelde. Caiu na armadilha de Antônio e Leonardo, eles a levaram para a Ordem onde a submeteram às mais grotescas e sádicas torturas físicas e psicológicas que se aperfeiçoaram desde a Era das Trevas. A ordem com embasamento cristão queria limpar o mundo e implantar a utopia religiosa, seus soldados deveriam ser cruéis e desprovidos de qualquer sentimentos que os faziam sentir empatia, seu amor era somente para com a Ordem e Deus. Maria despertou algo dentro de Antônio, algo perigoso que ia contra todas as doutrinas, depois que o Leonardo a mutilou cortando o bico de seus seios os gritos estridentes que antes o faziam sentir prazer o fizeram estremecer de terror. A culpa instalou em seu coração e uma lágrima escorreu.

Leonardo viu e notificou os superiores da Ordem que imediatamente mandaram um mandato de prisão para Antônio. Os superiores da Ordem eram homens poderosos que estavam inseridos nos maiores escalões da sociedade. Eram políticos, padres, pastores, empresários e banqueiros.

Antônio foi preso e submetido a todas as torturas que antes ele praticava, a dor limparia sua mente e lhe retomaria o juízo. Assim eles acreditavam, mas Antônio era perspicaz e não se deixou abalar, ele conhecia a dor e por isso sabia controlá-la, ele escapou e se tornou um indigente. A culpa o fez tornar num viciado em todos tipos de drogas que o submundo poderia oferecer aos seus súditos, ele emagreceu, a barba e o cabelo cresceram, sentimentos afloraram, a casca púrpura criada por ele para manter sua mente sob seu domínio caiu, ele finalmente conheceu a dor.

Então, ele encontra João Felipe que não o reconheceu o recebendo com hostilidade. Antônio diz coisas que apenas ele sabe, e o amigo de infância João Felipe o reconhece na mesma hora e é tomado por um sentimento de alegria e pena.

 João Felipe prepara um café, Antônio aceita. Então o depoimento começa e João se comporta como se estivesse abismado, sem saber no que fazer ele liga o gravador num movimento involuntário, que começa a capturar todas as palavras surreais de Antônio.

João dá um passo a frente do amigo e com uma voz gutural, ele diz:

- Antônio Carlos, você sabe quem sou?  Sou eu quem criou a Terra o mar e o ar. Eles me chamam pelo o adjetivo Deus por temerem meu verdadeiro nome que não pode ser pronunciado em nenhum ridículo idioma humano. Você é meu melhor servo e como todos os insignificantes seres humanos você passa por uma tediosa crise existencial. Eu criei o universo há tempos, muito antes que meus irmãos que habitam as profundezas abissais das dimensões esquecidas criassem os seres humanos e todas as leis que os regem. Vocês são servos e você Antônio me decepcionou, logo você. Sua carne se rasgará como papel e sua alma será devorada por mil demônios. Assim será todos os dias, durante toda a eternidade.

Antônio caiu em desespero, seus olhos foram tomados pelo o vermelho sangue e as luzes se apagaram por trás de seu corpo tomado pelo o pavor, um ser sombrio saiu das sombras o agarrando pelo escalpo e o levando para escuridão. Seu grito de horror pode ser ouvido por todo bairro.



Sobre o autor:

Leandro Godoy é o criador, editor chefe e escritor do site Cinema e Fúria. Também é o idealizador e apresentador do canal do youtube CinePolítica e escritor do site Obvious e La Parola. Gosto dos mais malucos exploitations, aos cultuados filmes de arte até ao mainstream do cinemão pipoca. Meus outros interesses são: odontologia, literatura e música.
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About inema e Fúria

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